Livros e Contos de Ficção Fantástica

Boa tarde!
É com prazer que lhes apresento hoje aqui no Criatividade Comum, um escritor carioca, que nasceu em 1988. Bom, mas não sou eu que vou falar sobre ele aqui. Vejam abaixo um texto mandado por ele, contando um pouco sobre sua vida em meio aos escritos. 


Olá, meu nome é Willian Nascimento e atualmente me graduo em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e escrevo textos de Ficção Fantástica. Minha vocação pela escrita começou como uma brincadeira, onde, atendendo a um desafio de uma amiga, escrevi uma história que estava na minha cabeça há muito tempo, desde o período em que jogava RPG com meus amigos. O Véu nasceu assim, sem compromisso, aproveitando minhas primeiras férias da faculdade. Escrevi-o em três meses, envolvendo-me cada vez mais com a história e seus personagens. Ainda sem pretensões literárias, decidi por lançá-lo na internet, de forma a divulgá-lo para todos aqueles interessados e crescer com as críticas recebidas.
Por sorte, meus leitores foram muito gentis e atentos e me incentivaram muito. Só no site Skoob foram mais de 200 leitores e quarenta resenhas todas muito elogiosas. E com o passar dos meses, recebendo críticas de vários internautas (blogueiros e colegas das redes sociais) e de amigos próximos, comecei a flerta com a ideia de realmente me tornar escritor. Escrevi De corpo e alma um ano depois, ao mesmo tempo em que finalizava o segundo volume d’O Véu. Naquele momento eu já tinha o Por detrás do Véu, meu blog literário onde, além de divulgar meus trabalhos, dedico-me a escrever reflexões acerca de Literatura, História e Fantasia em geral.
E é neste caminho que estou trilhando atualmente. De Corpo e alma foi publicado ano passado pela editora Multifoco e O Véu está com contrato assinado com a Editora Subtítulo para publicação impressa ainda este ano, com data a confirmar. Além deles, tenho um conto publicado na série VII demônios, da editora Estronho e alguns artigos acadêmicos no Caderno Universitário de História da UFRJ.
Se eu fosse me definir hoje eu diria que ainda sou um amador: um escritor amador, um historiador amador e um ser humano amador. E neste contexto acredito que 2012 seja um ano decisório para mim, pois além de me formar na universidade, tenho minha menina dos olhos em processo de publicação. Sonhos que estão se realizando e uma etapa se concluindo, que talvez seja capaz de me transformar em um adulto completo. Um amador ainda, pois estamos sempre aprendendo, mas um amador com alguns pelos no rosto (risos).



 



Conto: Personagem
por: Willian Nascimento

Victória Martins era o tipo de mulher que toda a garota queria ser. Rica, bonita, independente e famosa, era daquelas capazes de ter o homem que queria, além de ser invejada por nove, a cada dez pessoas no país inteiro. Mas nenhuma pessoa no mundo sentia tanta inveja de Victória Martins quanto à própria.
Autora de livros de autoajuda, Victória era o arauto de esperança para milhares de mulheres que compravam avidamente seus livros. Sendo umas das maiores imagens do mundo feminino, transparecia uma imagem quase inalcançável para suas leitoras, pregando como uma mulher do séc. XXI deveria se portar.


“A mulher moderna tem de ser, antes de qualquer coisa, segura de si.”

Escrevia em seu notebook, estando sentada confortavelmente na cama de seu apartamento em Ipanema. Victória vestia pijamas e roupão, e mantinha seus cabelos despenteados e rosto sem maquiagem. Uma regalia que se permitia sempre que estava dentro de sua residência, onde as câmeras não a alcançavam. Onde ela podia ser mais ela mesma.

“Após séculos vivendo sob as regras de um mundo governado por homens, aprendemos finalmente como inverter o jogo, e hoje, cada uma de nós é capaz de guiar seu destino, não dependendo mais desses macacos portadores de falo para termos alguma razão para viver.”

Victória estalou os dedos, espreguiçando-se longamente enquanto mexia a cabeça de um lado para o outro para relaxar os músculos do pescoço. Quando se virou para a direita, permitiu a si mesma uma breve olhada ao retrato que repousava sobre mesa de cabeceira. Nele, a foto de um homem de meia idade, bem conservado, sorria para ele.
Espero que esteja se divertindo com aquela vadia, querido. Pensou com ironia antes de voltar a escrever.

“Depois de dois anos divorciada, aprendi que somos mais do que mães, esposas, companheiras. Nós somos nós mesmas. Somos mulheres, somos profissionais, somos donas de nossos próprios narizes. Confesso que já chorei muito por causa de meu ex-marido, mas hoje percebo que eu chorava na verdade por mim mesma. Pela mulher que deixei para trás por anos, enquanto fingia ser somente a senhora Braga, que vivia em função de esperar de braços abertos o marido quando este chegava do trabalho, que era submissa, que sempre concordava com tudo que seu amado dizia.”

Enquanto digitava freneticamente, percebeu que no canto de sua tela um alerta de mensagem em sua caixa de e-mails piscava. Curiosa, pressionou Alt + Tab em seu teclado e a tela de seu e-mail se abriu diante de si. A remetente da mensagem era Jéssica Cortes, e tal nome fez um sopro de impaciência esvair-se dos pulmões da escritora. Jéssica era uma menina um tanto quanto tola, que há uns dois dias havia contatado Victória para pedir conselhos quanto a sua relação conjugal. Victória não era do tipo que atendia uma por uma de suas fãs, mas a pobre menina despertou seu carinho e decidiu responder a um de seus e-mails só para que ela pudesse sentir-se mais importante.
Contudo, naquelas poucas 48 horas em que a relação se desenvolveu, sua paciência já foi levada ao limite. Decidiu então que este seria o último contato respondido.

Jéssica Cortes disse:
Querida Victória. Desculpe por mais uma vez vir lhe importunar, mas desta vez venho lhe dizer que não corro atrás de seu tempo com mais dos meus problemas, mas sim lhe escrevo para agradecer a toda a ajuda que me ministrou.
Graças ao gelo que dei em Rodolfo, seguindo um conselho seu, ele agora parece se interessar por mim novamente. E com isso, poderei reacender a chama de nosso casamento, que ainda é tão jovem. Completaremos apenas dois anos na semana que vem.
Bem, não vou me demorar mais. Só vim agradecer.
Obrigado.

Victória torceu o nariz ao ler a mensagem e decidiu que não poderia deixar aquela pobre alma fazer a besteira que planejava. Rindo da imbecilidade de sua correspondente, digitou uma curta mensagem:

Victória Martins disse:
Cara Jéssica. Percebo que não deu ouvidos a tudo o que eu lhe disse outrora, não é mesmo? Quando pedi para que se afastasse de seu marido, não me referi a dar um simples “gelo” nele, mas sim que se libertasse dessa relação doentia. Não percebe que ele não lhe ama mais? Que não quer estar contigo? Se ele voltou agora é apenas porque sentiu saudades de visitar suas pernas. Não dê isso a ele. Só espero que me escute desta vez.
Com carinho,
Victória

Não precisou esperar muito para receber:

Jéssica Cortes disse:
Bem... Acho que vou seguir seu conselho então.

Com um sorriso enviesado, começou a digitar:

Victória Martins disse:
Acredito que seja o melhor. Sei que é difícil, mas

Mas o telefone tocou, forçando-a a parar de escrever para atender:
— Alô.
— Querida, tenho uma ótima notícia – era a voz de Kátia, sua editora. — Acabo de falar com o Andréias, e ele me confirmou que hoje à noite que você é uma das convidadas de honra da festa de lançamento da nova coleção Lumus. E com um pouco de sorte, será sua próxima garota propaganda.
— O que? — deixando o notebook de lado, ela se inclinou para frente como se pudesse tocar sua interlocutora e beijá-la — Sua filha da mãe, você...
— Exatamente — completou Kátia, cheia de si — Eu consegui convencer os responsáveis pelo Marketing da Lumus de que você é perfeita para liderar a nova campanha.
— Oh meu Deus! — levou a mão à boca — Oh meu Deus, oh meu Deus! Não acredito...  — e gritou.
Kátia riu do outro lado da linha.
— Eu sei — concordou — Sei como deve se sentir.
— Eu te amo! — exclamou.
— Também sei disso — respondeu sem nenhuma modéstia. — Mas devo lembrá-la de que a festa de lançamento da nova coleção é hoje à noite. Então, esteja pronta às dez. Um carro irá aí te buscar.
— Deixe comigo! — E pulou da cama, pondo-se de pé. — Estarei pronta.
— Boa sorte — desejou.
— Obrigado — e desligou.
Ignorando completamente o computador pessoal, correu para o banheiro onde parou de frente ao espelho para ver sua própria face de alegria. Victória não era capaz de segurar a euforia que avassalava seu coração. Nem podia crer que seria a garota propaganda da Lumus, uma das maiores empresas de cosméticos e moda do país. Sem dúvidas que seu nome seria perfeito para ser vinculado à nova linha, que era voltada para mulheres independentes e bem sucedidas.
— Você é perfeita para a linha, Victória. — falou para si mesma diante do espelho.
Sorriu alegremente antes de abrir o armário atrás do espelho para pegar os sais de banho. Naquela noite, teria que está bem perfumada. Contudo, quando tocou o pequeno frasco rosa, uma voz vinda não se sabe de onde cortou o silêncio do banheiro.
— Você? Ou está se referindo a mim?
Victória parou num instante, olhando em volta assustada a procura da estranha voz.
Nada encontrou.
— Afinal, Victória Martins é a mulher perfeita para a campanha. E você não é Victória Martins — continuou a voz.
Desta vez, não havia nenhuma chance de Victória ter ouvido coisas. Então, a simples curiosidade começou a ser substituída pelo medo atenuante, conforme a mulher revirava os olhos e vistoriava o banheiro sem coragem de mexer o rosto.
Nada.
— Quem está aí? — decidiu por fim arriscar.
Nada.
Desistindo de esperar pela resposta e enchendo novamente o coração de esperanças, Victória decidiu fechar o armário do banheiro e retomar seus afazeres, julgando não ter passado de alucinação a voz ouvida. Mas o susto só foi atenuado quando ao fechar a porta e dar de cara com o espelho, encontrou diante de si uma versão sua estampada com um sorriso frio e estudado.
Um grito quase irrompeu de seus pulmões ao dar de frente com aquela imagem sua, mas ela foi capaz de segurar o brado com a mão, que tampou toda a boca quase a sufocando com seu aperto. A mulher diante de si sorriu de forma mais insinuante, deixando aparecer sua fileira de dentes bem feitos. Victória encarou a si mesma, assustada. O que estava acontecendo?
— Victória Martins... — A imagem estalou a língua — Victória Martins, grande escritora, Best Seller nacional. Mulher independente... — e revirou os olhos — Hunf! —Você está me descrevendo querida, e não você.
— Quem é você? — conseguiu enfim perguntar, mesmo que de forma rápida e nervosa.
— Sou Victória Martins — respondeu o reflexo.
— Não seja tola — rebateu, mas logo se arrependendo devido ao medo que sentia. — Eu sou Vitória Martins! — falou num tom um tanto mais contido.
— Pode até ser... — cogitou — A Victória Martins, filha de Yolanda e Bernardo Martins. A Victória Martins, autora de sucesso. Até a Victória Martins, ex-mulher de Otávio Braga. Mas não a Victória Martins de “Segredos do Sucesso”, ou de “Como viver bem estando solteira”. Esta sou eu.
— Do que você está falando? — quis saber.
— Simples. Do fato de você estar me usando para conseguir vender as porcarias de seus livros. De estar me usando para ser a garota propaganda da marca Lumus. Cansei de ser usada por você. Cansei de sua inveja de mim.
— Você está louca — retrucou Victória — Você não passa de uma alucinação de minha cabeça.
— Está enganada mais uma vez — respondeu — Eu sou mais. Sou mais do que uma ilusão. Sou mais do que devaneios de uma mente insana. Eu sou a criação de seus desejos, de sua fome, de sua inveja. Você inveja as mulheres comprometidas, Victória. Inveja àquelas que se realizam na vida ao lado do homem dos sonhos. Você as inveja, por isso vive pregando que as mulheres têm de ser solteiras, pois não consegue aceitar o fato de não ter conseguido manter um homem entre as suas pernas.
— Eu não preciso ouvir isso — e se virou, para sair do banheiro, mas uma força invisível a segurou na posição em que estava, mantendo-a diante do espelho e de seu reflexo distorcido.
— Fique! — ordenou a imagem refletida — Fique e ouça a verdade.
— Você não sabe de nada — Victória acusou.
— Se engana — rebateu — Desde que você me criou, ao escrever “Segredos do Sucesso”, que eu venho lhe observando. Que venho lhe estudando e comprovando o quão patética você é. Achou mesmo que poderia esconder isso de todos?
— Quem é você? — insistiu.
— Eu sou Victória Martins, a personagem principal de seus livros. A mulher que você criou para seguir e copiar. Para ser sua imagem veiculada na mídia. Eu sou a coragem que você não tem, a independência que lhe falta, e a realização que você deseja. Eu sou aquela que você criou para se vingar daquelas que sente inveja.
— Eu não sinto inveja de ninguém — contestou nervosa.
— Sente sim. — continuou a imagem — Sente inveja de cada mulher, seja na vida real ou na ficção, que se realizou matrimonialmente. Sente inveja de sua mãe, cujo casamento sobreviveu aos vários anos juntos. Sente inveja de seus amigos que se casaram e formaram família, enquanto você se divorciou em menos de dois anos de casada. E você sente inveja de Miranda, a ex-amante e atual noiva de Otávio. Pois ela está com o homem que deveria ser seu.
— Cale a boca. — ordenou com a voz trêmula e baixa.
— Como toda a invejosa — continuou, ignorando a ordem recebida — você tende a desdenhar do que não vai ter. Prega que o caminho correto é o inverso, apenas porque você mesma não foi capaz de seguir o mesmo que os demais. Como um corredor que está em último lugar e de repente muda sua rota, passando a correr no sentido oposto só para ter a ilusão de que lidera a corrida.
— Calada. — falou com mais convicção, apesar de a voz ainda estar fraca.
— Então você criou uma imagem de você que queria que existisse. Então me criou: uma Victória Martins muito mais forte do que você jamais foi e como nunca será.
— Chega! — bradou.
— Mas nem sequer me criando você conseguiu paz. — sibilou — Pois agora, além de invejar todas as mulheres realizadas no amor, você inveja a mim. A mim que fui criada contra a vontade, que vim para ser a mulher que você deseja ser, mas não consegue. A mim, que não sou sequer a sombra da derrota que você é...
— CHEGA!
E neste momento, toda a raiva de Victória foi direcionada contra sua atacante. E erguendo o punho, desferiu um pesado golpe contra o vidro, arrebentando sua imagem refletida em mil pedaços. Pequenos cacos caíram, tintilando ao tocarem o chão.  E com eles, grossas gotas de sangue tingiram o piso branco de rubro.
— Chega... — engasgou-se chorosa.
— Não acabou... — ouviu dizer, mas desta vez o som não parecia vir do nada como anteriormente, mas sim de um ponto específico.
Atrás dela.
Virando-se em um salto, deu de frente para com uma imagem exata dela mesma, com as mesmas roupas e as mesmas feições. Tentou andar para trás, mas a pia do banheiro a impediu de se afastar. Tateou o lugar atrás de algo, até encontrar um pedaço de vidro grande o suficiente para lhe servir de faca.
— Afaste-se de mim — ameaçou, erguendo o vidro entre seus dedos.
— Quanto ódio — constatou com pena. — Tanto ódio contra as mulheres felizes, contra os homens, contra mim... — pausou — mas a única pessoa que de fato desperta seu ódio é aquela que você tentou encontrar olhando para o espelho, mas não encontrou...
A imagem deu um passo à frente, pegando a mão instável de Victória que segurava a arma.
— Victória, Victória... — e levou a mão da mulher para perto do próprio pescoço — Você não quer me matar — e deixou a ponta do vidro tocar seu sua pele. — Pois eu sou sua maior criação. E por maior que seja sua inveja, você, no fundo, me ama. Me ama porque nunca será como eu. Me ama porque eu sou aquela que pode lhe dar alguma esperança nessa sua vida medíocre. E me ama porque sou eu que vou conseguir o contrato com a Lumus no nosso nome.
E sem deixar tempo para que Victória pudesse responder, largou a mão dela e caminhou até a porta, onde abriu para sair. Entretanto, antes de abandonar do cômodo, deixou sua voz transmitir uma última mensagem.
— Talvez seja hora de ser você mesma... E acertar as contas com quem é a responsável pelo seu infortúnio. É só uma dica — Completou, fitando-a brincalhona.
E saiu. Ao chegar ao lado de fora, parou encostada na parede, esperando apenas ouvir o som de carne sendo cortada e de um corpo pesado caindo no chão. Quando finalmente aconteceu, começou a caminhar em direção a saída, enquanto suas roupas mudavam magicamente. Deixando o moletom desaparecer e dar lugar a um longo vestido roxo. Seus cabelos desgrenhados agora se ajeitavam em um belo coque, e sua pele era coberta por uma maquiagem vinda do nada.
Parou diante do espelho e se contemplou por algum tempo. Dizendo em fim:
— Agora sim, você é Victória Martins.




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Pedro Sebilhano



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